Existe uma história adorável sobre o tempo. Dois judeus idosos que não se viam há cinqüenta anos se encontram, aos poucos reconhecem um ao outro, e se abraçam.
Dirigem-se ao apartamento de um deles para falar sobre os dias do passado.
A conversa leva horas. Anoitece. Um pergunta ao outro: "Olhe para seu relógio. Que horas são?"
"Não tenho relógio de pulso" diz o segundo.
"Então olhe para o relógio de parede." "Não tenho relógio de parede."
"Então, como sabe as horas?"
"Você vê aquela trombeta no canto? É por ela que vejo as horas."
"Está louco" – diz o primeiro. "Como pode saber as horas com uma trombeta?"
"Vou lhe mostrar." Ele apanha o instrumento, abre a janela e toca a trombeta, produzindo um som ensurdecedor. Trinta segundos depois, um vizinho furioso grita. "São duas e meia da madrugada, e você está tocando trombeta?" O homem volta-se para o amigo e diz: "Viu? É assim que se sabe a hora com uma trombeta!"
Grosseiramente falando, é como o mais notável Rabi da Idade Média, Moshe Maimônides, explicava por que tocamos o shofar em Rosh Hashaná, o Ano Novo Judaico, que celebramos por um período de seis dias. Segundo ele, é o toque de despertar soado por D'us, Sua maneira de nos perguntar: "Você sabe que horas são? A vida que Eu lhe dei, como você a tem usado? Para si mesmo, ou para o próximo? Para ferir ou para curar? O que fez com o ano que Me pediu doze meses atrás? Qual será sua anotação no Livro da Vida?"
Passamos pela vida, diz Maimônides, meio adormecidos durante a maior parte do tempo.
Dia após dia num entorpecimento. Fazemos os movimentos de acordar, trabalhar, comer, relaxar, mais conscientes dos minutos que dos anos.
Sentimos a tirania do relógio, mas esquecemos o calendário da vida. À medida que os anos passam, muitas vezes renunciamos aos sonhos de nossa juventude e nos acomodamos numa rotina que oscila entre a fuga do tédio denominada trabalho e a fuga ao trabalho chamada lazer. Às vezes é preciso uma sacudidela – um acidente de carro, uma doença, uma crise – para nos fazer perguntar: Quem sou eu e por que estou aqui? O que estou fazendo com minha vida?
É parte da beleza do Judaísmo que em Rosh Hashaná, sejamos ordenados a fazer exatamente esta pergunta. O Tempo é o maior presente concedido por D'us e um dos poucos que Ele nos dá em termos iguais.
Sejamos ricos ou pobres, poderosos ou indefesos, existem apenas vinte e quatro horas num dia, e um total de anos curto demais.
Para cada um de nós (como para Moshê) haverá um futuro que não veremos, um Rio Jordão que jamais cruzaremos, uma Terra Prometida na qual jamais pisaremos. Portanto, temos de fazer escolhas, e a que têm mais conseqüências é como usamos o nosso tempo.
Uma vez feita, a pergunta quase que responde a si mesma. Ninguém jamais morreu desejando ter passado mais tempo no escritório ou lamentando não ter possuído um celular mais moderno. Muitos dos desejos dos quais corremos atrás são artificialmente arquitetados, e muitas das coisas para as quais não temos tempo – refeições em família, longas caminhadas com nossos filhos, ajudar a estranhos, dizer obrigado a nosso cônjuge e a D'us – são a essência da vida bem vivida.
Uma vez ao ano precisamos do toque daquela trombeta para lembrar do tempo e usá-lo para fazer uma diferença, para ser uma bênção, para amar.